sábado, 24 de dezembro de 2016

Silêncios gritados em telhados

Eram silêncios que lhe escapavam pela caneta,
maculando uma folha em branco,
que acabaria por se tornar só mais um rascunho
abandonado pela sala.

Existiam no que era expresso sem palavras
nos intervalos entre pensamentos
por vezes inconscientes
outras, relutantemente engolidos.

Eram pilhas e pilhas de tudo que não fora dito,
de tudo que deu-se por esquecido
que silenciosamente perpetuavam pela casa.

Eram silêncios que lhe escapavam pelos poemas
e estando num poema
eram como que gritados por cima dos telhados.

Izuara Beckmann,
24 de Dezembro de 2016.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Niilismo

Eu estive fugindo por toda a vida, 
virei em todas as esquinas que encontrei 
tomei todo caminho desconhecido 
segui sempre em frente, 
não me permiti olhar para trás. 

Ignorei cada estímulo imediato de espiar por cima dos ombros, 
eu estava orgulhosa do caminho percorrido. 
Cheguei mesmo a esquecer que estava em fuga 
me acostumei a esquecer assim que virasse as costas. 

Um dia eu comecei a sentir a proximidade 
e de repente, era tão grande que eu não conseguia ignorar 
chegou ao ponto de ocupar todo meu pensamento 
o caminho era tão grande que eu não lembrava as consequências  
olhei pra trás por todos os anos que estive em outra direção.

Lá estavam 
aqueles olhos vazios que eu esquecera 
Lá estavam 
e começaram a drenar minhas certezas. 
Lá estavam 
e eu diminuía. 
Lá estavam 
e eu já não estava.



Izuara Beckmann,
07 de Dezembro de 2016.

domingo, 26 de junho de 2016

Singular

Depois dos plurais
de todos e quais,
era enfim, singular.

Foram-se os pronomes,
esqueceram os nomes.
estava a se singularizar.

Deixou os advérbios
refugiou-se no adverso.
Não era toda poesia,
era ainda verso.
Frase única.
Reticências sem S,
feita de pretéritos
inteira em imperfeitos.

Quis a sina,
pra viver de rima.
Era mulher,
não mais menina.

Era inteira
feita de metades.

Sina de Pessoa,
era todas em uma.

Contínua
em metades desiguais.


Izuara Beckmann,
02 de Janeiro de 2014.

sábado, 16 de abril de 2016

Abstrações #1


O problema é que eu não me seguro a nada. Só isso. Não vou dizer mais ou você conseguirá ver através de mim. E eu sempre tentei impedir que fizessem isso, não vou parar agora.
Mas talvez eu possa te falar dos balões. Imagino que você já saiba onde eu quero chegar. Vou usar a imagem da sua mente, um parque e uma garotinha com um balão de gás hélio. Essa garota sou eu. E vou soltar o balão em três minutos no máximo.
Sempre me pareceu natural. Natural que tudo fosse livre, que tudo fosse tão longe quanto conseguisse. Nunca quis ser quem põe amarras a qualquer coisa que pudesse voar.
No fim das contas, é provável que eu tenha percebido que podia voar também. O que justifica os pontos todos, e a cicatriz no braço esquerdo.


I.B.P.
31 de Janeiro de 2015

sábado, 9 de abril de 2016

Paralisias

Despertou. Teve a impressão de demorar um minuto inteiro para abrir os olhos. Tentou olhar o relógio, quando percebeu que não podia se mover. Tentou de novo. Tentou mover outra parte do corpo. Nada. Lembrou-se que tivera algo parecido quando criança. Era paralisia do sono.

Teria entrado em desespero frenético, não fosse uma certa familiaridade com a sensação. Sentir-se presa dentro de si mesma. Limitada. Debater-se inutilmente em situações fadadas ao fracasso completo. Lutar em vão por coisas tão simples como mover o braço. Estar ciente de algo fora de seu controle racional. O mundo inteiro parecendo pesar sobre o peito. Afogar-se em tentativas inúteis de alcançar a superfície.

A respiração diminuía, sentiu que podia simplesmente pará-la. O pensamento lhe fez correr uma lágrima. Levou uma mão a face para secá-la. E percebeu estar livre da paralisia do sono. Deixou que as lágrimas continuassem. Estava presa em outra paralisia: a vida.


I.B.P.
10 de Abril de 2016

domingo, 3 de abril de 2016

Diálogo #8

Motivos

- Você nunca me contou o motivo.
- Eu perguntei a ele: "eu quero saber o motivo?". Ele disse não.
- E aí?
- Aí que eu decidi saber mesmo assim.
- E?
- Ele estava certo. Eu preferiria não saber.


I.B.P
03 de Abril de 2016

sábado, 2 de abril de 2016

O Instante

O momento congela
como uma fotografia
que não capturei
e então eu sei
é eterno
é poesia

Os sorrisos,
os gestos
pairam estáticos
as palavras
permanecerão
não ditas

Uma dimensão
paralela,
o instante
perpendicular

Detalhes,
cuidadosamente alinhados
de tudo
que jamais será.


I.B.P.,
02 de Abril de 2016

quarta-feira, 9 de março de 2016

Recuo

Caminho em marcha ré
numa direção que já sei onde dá
sigo para lugares que já estive
encarno personagens que já fui

Sobreponho a consciência existente
sinto a inocência se dissolver
repito pra mim mesma que é melhor assim
conhecer o que está por vir

Inicio a jornada a favor do tempo
e me surpreendo com saudades
de sentimentos que só a ingenuidade permitia
talvez nem a certeza esteja livre de imprevistos


I.B.P.
9 de Março de 2016